6 de ago. de 2011

Tinha Santiago no meio do Caminho

Aviso importante: a primeira pessoa deste texto é absolutamente falsa. Ou não, sei lá.


No meio do caminho, meus pés estacionaram no que parecia ser um restaurante, no meio do deserto. Três dias seguidos de caminhada, morrendo em pé, preferia morrer deitado. Era necessário acreditar na existência de algo, senão a morte viria, sem sombra de dúvida, na aridez do deserto.

Arrastei o corpo ao salão principal do restaurante. Lugar quente pra diabo, pra anjo ou pra qualquer um, o salão trazia uma decoração até interessante, que neutralizou temporariamente o calor do momento. Os quadros na parede sugeriam festas suntuosas, banquetes nababescos, orgias gastronômicas intermináveis. O desejo de sorver apenas um golinho dágua persistia.

E ela chegou. Apresentando-se como senhora Santiago, a dona da esperança. Frase bonita? Que nada: Esperança era o nome de sua filha, disputada por todos os andarilhos, segundo o relato orgulhoso da senhora Santiago. O viajante que vos fala queria comer o que se come normalmente num restaurante, não uma Esperan... bom, esquece.

"A Esperança é a última que morre", exclamou a mãe de Esperança. Até aí, morreu Neves, refleti, o que me relembrou a existência de um estômago pedindo socorro - o meu -, e uma garganta ressequida - a minha. Neves era um bom sujeito, lembrava neve derretida, o mesmo que água... Aquela senhora jamais pararia de falar sobre sua filha, não fosse impedida.

"E a Luz foi feita!", gritou a senhora Santiago. Outra frase-feita, pensei, buscando socorro nos meus desgastados neurônios. Dos fundos do restaurante, trajando um avental amarelado e limpando as mãos, surgiu a tal Luz. Esperança que era bom, never. Nisso, o sinal vermelho de minha velha e boa sanidade piscou, após dias de sol fervente aplicado na moleira.

Postei-me de joelhos diante da velha, implorando por um copo dágua, pelo amor de Nossa Senhora, de Deus, do diabo que a carregue!! Estupefata, a senhora Santiago se mandou para a cozinha, deixando à minha frente uma Luz de olhos arregalados. Era a gota dágua. Desmaiei, faltou Luz nessa hora.

Quando dei por mim, estava deitado sob uma palmeira, esperando minha hora chegar, com esperanças que o relógio do tempo estivesse atrasado. Ao meu lado, um livro de Paul Rabbit, a seguinte frase estampada numa de suas páginas: "O universo conspira para que você realize seu pior pesadelo".

Recorrendo a uma energia inexistente, mandei Paul à ponte que partiu, concluindo que meu sonho, percorrer o caminho de Santiago e encontrar a iluminação espiritual, se tornara de fato um pesadelo. Sem mais delongas, morri. E parti para outro plano, fazer companhia a um tal de Brás Cubas, que morreu de rir da minha desventura contemporânea.

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