20 de ago. de 2011

Sócrates

Há dois anos, eu estava suspirante na Avenida Paulista, em São Paulo.

Tinha feito na cidade tudo o que precisava, o que gostaria, o que não precisava. Uma pena danada ter que voltar à minha cidade em plena sexta à tarde. Resolvi ir ao Conjunto Nacional, na gigantesca Livraria Cultura, esperar o horário do último ônibus de volta.

Na Livraria, fui andar pelos andares todos. Após olhar todos os CDs e DVDs possíveis e imagináveis, fui ao andar do Teatro Eva Herz. Olhei uma placa, que anunciava a transmissão, naquele fim de tarde, de um programa de rádio chamado Fim de Expediente.

Uma vez ao mês, aquele teatro era utilizado pela rádio CBN para acomodar o público do programa, conduzido principalmente pelo ator Dan Stulbach.

Olhei a placa. Ela anunciava a distribuição gratuita de ingressos ao respeitável público dali a... cinco minutos! Sem piscar, me coloquei como um dos primeirões da fila. De graça, até programa de rádio na testa.

Na fila, após meia hora, puxei papo com um casal. Animado por estender um pouco minha estada paulistana, saquei de alguns jornais, onde desenho as pessoas nas capas, e comecei a caricaturar meus interlocutores.

Após as risadas e o agradecimento dos pombinhos pela cortesia inesperada, olhei para trás e presenciei outro ser improvável. O ex-jogador e atual médico, irmão do Raí, ex-craque da Seleção Brasileira de Futebol, estava com duas pessoas numa roda. Era ele... o doutor Sócrates!!

Sou da geração que teve a infelicidade de ver a derrota de uma das melhores seleções do futebol brasileiro pós-Pelé. Em 1982, eu com seis anos, pela primeira vez odiei um jogador de seleção rival. Aquele cidadão que fez a seleção perder nos pênaltis. E fez meu pai cair do telhado e se arrebentar todo, sem conseguir consertar a antena da TV que insistia em falhar.

Após o fiasco de 1982, acompanhei outros trunfos do dr. Sócrates. Um deles, a Democracia Corintiana. Soube que o jogador chegou a gravar um disco - não ouvi o elepê de capa vermelha até hoje. Décadas se passaram. Cheguei a assistir alguns programas que o cantor de um disco só gravou com o jornalista Jorge Kajuru. Aí, perdi o homem de vista. De vez.

E eis que ele se materializava na minha frente, numa tarde paulistana. Com aquele sotaque tão característico do interior de São Paulo, conversando com a mulher e o irmão, com fala ora enfática ora mansa.

Conhecendo o espírito bonachão de muitos interioranos da estirpe socrática, me aproximei do ex-jogador e puxei papo. O barbudo me tratou com uma simpatia digna dos grandes caras. Até aceitou que eu fizesse uma caricatura dele. O que me foi fácil, fácil. Ele é dos tipos que pedem pra ser caricaturados.

Um ou dois comentários simpáticos depois, dirigidos ao meu desenho e a mim, ele se despediu. Entrou no teatro, eu também. Ele como convidado do programa de rádio, eu como platéia.

A simplicidade do dr. Sócrates poderia iludir quem espera pouco de um jogador de futebol, além da bola no pé e no gol. Mesmo ele fosse um analfabeto funcional, o torcedor aqui seria grato pelos momentos de felicidade na Copa de 82, ainda que atenuados com a derrota para a Itália. Só que o ex-craque, no programa, mostrou uma sabedoria, uma cultura, uma preocupação nada demagógica com os rumos do país.

Contei minha lembrança para puxar uma outra torcida. A torcida para que o doutor, nas mãos de outros colegas doutores, tenha uma recuperação à altura da sua humanidade. Quem é craque na vida sempre pode dar um drible a mais nas dificuldades. Dotado de uma bagagem cultural imensa, Sócrates certamente perdoaria o imenso clichê da frase anterior.

2 comentários:

Célia disse...

Olá Érico! A cidade que me acolheu, Ribeirão Preto, amanheceu triste e emudecida no domingo! Seu filho, também por ela adotado, assim como seus familiares morrera! Sócrates foi bom com muitos, só não o foi consigo! E, sabia, como pessoa e da área médica da gravidade do seu problema. Viveu. Atleta e boemicamente. Era fácil encontrá-lo aqui pelas ruas, shoppings, bares e restaurantes. Simples e autêntico. Nada afeito à celebridade! Estudou também, no Colégio Marista. Como educadora tive o prazer de ter o Duzão - seu filho - como meu aluno. Era uma criança muito querida pelos amigos... Remember...
Ao final do dia enquanto aqui o Magrão era enterrado, seu time do coração era pentacampeão! Acompanhei pelo Cartão Verde da TV Cultura suas últimas apresentações. Era notória sua debilidade! Passou... está agora em situação privilegiada sem dores, sem restrições... e, com certeza e seus punhos fechados de um lutador, vibrando com seu time!
Abraço, Célia.

Carla Ceres disse...

Onde quer que esteja, o Doutor deve estar feliz pelo Corinthians. Que bom que você teve a oportunidade de conhecê-lo, Érico! Beijos!