30 de jul. de 2011

Antologia tímida

Se você quer puxar papo com um tímido, pra ele cada rodada de perguntas é um interrogatório.

Afirmação interna de tímido: "Mundo, não me encha o saco".

O tímido nunca acha as palavras. Mas também nunca as procura.

O tímido não briga. Ele te fuzila com o olhar.

O tímido não tem só a cara fechada. Ele é fechado por inteiro.

O olhar do tímido não é visionário. Ele não olha pra frente jamais. Ora olha para o lado, ora para o chão.

O tímido tem comichão permanente. Ele vive se coçando.

O tímido detesta banana. Porque vive tropeçando em cascas de bananas imaginárias.

O tímido é o pior vendedor de si próprio.

O extrovertido dança na chuva, feito um Gene Kely. O tímido é o guarda que aborda o Gene Kely no fim da dança.

O tímido sempre acha que o mundo não é com ele.

O tímido tem olhar carente de viralata. Mas não mexe com ele, que ele vira um pitbull.

Por causa da timidez, eu não causo.

Eu não causo. Apenas conto causos.

Por não causar, fico sempre com as causas na mão.

29 de jul. de 2011

Ácidas efervescentes

O sexo forte posta-se, com toda a razão, como a majestade do dia a dia terrestre. Ao metrossexual do novo século, resta abrir a porta e estender o tapete vermelho. E ai do vassalo se o tapete não estiver lavado, escovado e cheirando a perfume.

Há quem pense que o homem tem o rei na barriga. Barriga ele tem, de tanquinho ou de lavanderia. Ter majestade são outros quinhentos.

Caso queira preservar os dentes, ele jamais alerta a cara-metade da possibilidade de ser portadora de uns quilinhos a mais - para ela, quase todos. A não ser na gravidez. Fora desse momento sublime, nem pensar em citar o amaldiçoado culote.

Para se proteger de juízos masculinos que a coloquem numa saia-justa, a mulher dispõe de arsenal incentivador de vários calibres: "Você é tão fofo". Ou: "Você é tão esforçado". E ainda: "Você é tão bonzinho".

Imagine tais mimos, ditos por um homem, em direção ao seu alvo preferido.

Se quiser preservar a masculinidade, caro semelhante solidário, engula os batráquios rotineiros, obedecendo às prescrições médicas do tratamento da úlcera de estimação.

E siga em frente, que com jeito vai. O trejeito fica por conta do sexo forte.

25 de jul. de 2011

Um casal "sangue nos óio"

Não sou jornalista, apesar da verborragia opiniática permanente neste espaço. Não sou escritor, apesar da mania de construir parágrafos e mais parágrafos com frases de efeito. E não sou crítico musical, apesar de amolar uns poucos amigos com meus juízos a respeito de música popular.

E já que o assunto dessas linhas pretende ser música popular, hora de usá-las para declarar uma paixão. A paixão por um trabalho vigoroso, um dos CDs mais interessantes que ouvi na minha existência de ouvinte de MPB e Bossa Nova.

O trabalho de Miranda Kassin e André Frateschi, casal de atores-intérpretes da capital paulista, só fui conhecer mesmo com o CD Hits do Underground. Um CD que sai em plena era do MP3. A era em que a indústria de discos já era.

Sei que André faz espetáculos em São Paulo como cover de David Bowie, o tal artista britânico que, aos olhos dos leigos e da molecada, só chama a atenção por causa dos programas retrospectivos da MTV, tipo "Top Top". Sei também que Miranda Kassin, com esse nome esquisito que mais parece sobrenome e a faz sofrer bullying ocasional desde criança, se destacou na cena paulistana como cover da recém-falecida Amy Winehouse, outra cria do Reino Unido.

O casal de artistas que emula seus ídolos nas casas de shows paulistanas, resolveu se dar as mãos para gerar um filho musical: o disco citado acima. A criança nasceu saudável, como sói acontecer quando o fruto é gerado com amor.

Tá bom, tudo bem: os clichês de novela mexicana da frase anterior são risíveis, mas quem não ri diante do impacto de uma paixão? E apaixonado pelo trabalho de André e Miranda é o que tenho ficado, mais e mais, audição após audição do disco Hits do Underground.

O "Underground" não gera "Hits", se é que me faço entender. "CD", "disco" e "Underground" são palavras ignoradas pela juvenília amamentada com a internet. Mas uma busca de Google pode esclarecer o significado de tais palavras aos nerds de plantão.

Como dito lá no início da postagem, não sou jornalista, escritor ou crítico musical. Então faça um favorzão a esse tiozinho: largue o notebook por breves instantes, que isso não deixa ninguém com síndrome de abstinência, e vá ouvir o CD Hits do Underground. Aprenda um pouco com André Frateschi e Miranda Kassin o que é amor, paixão, loucura, ironia, irreverência e sangue nos óio. A Geração Y precisa deseperadamente disso. Os tiozinhos feito eu também.

24 de jul. de 2011

Desculpas

Desculpa de gente lerda: "Respeite o meu ritmo, seu insensível!"

Desculpa de gente estúpida: "Você ainda não se acostumou com o meu jeito?"

Desculpa de marido: "Vou ali comprar cigarro e já volto".

Desculpa de mulher: "Em cinco minutos eu troco de roupa".

Desculpa de intransigente: "Ninguém me entende".

Desculpa de covarde: "Eu estava cumprindo ordens".

Desculpa de analfabeto funcional: "Você fala muito difícil".

Desculpa de ignorante: "Sou autêntico".

Desculpa de truculento: "Se eu não desse porrada, ele nunca me respeitaria".

Desculpa de mimado: "Não pedi pra nascer".

Desculpa de homem: "A camisinha estourou".

Desculpa de ex: "Ele não me entendia".

Desculpa de ferrado: "Amanhã é outro dia".

Desculpa de feio: "Sou charmoso".

Desculpa de gostosa: "Não sei porque estão me olhando assim".

Desculpa de feio: "Sou bonito por dentro".

Desculpa de quem não pega mulher bonita: "Detesto magrela".

Desculpa de mulher bonita sozinha: "Querem só o meu corpo".

Desculpa de corintiano: "Se não fosse o Ronaldo, a gente ganhava a Libertadores".

Desculpa de Rogério Ceni após frangos: "A culpa é da bola".

Desculpa de palmeirense: "Corinthians".

Desculpa de brasileiro: a seleção.

Desculpa de homem: mulher. E vice-versa.

Corrigir textos: decisão acertada

De caneta vermelha em punho e dois diplomas na parede, Adriana Patrício dedica-se a seu trabalho de revisora

O primeiro erro que Adriana quis corrigir na vida foi o próprio sobrenome: Patrício. Para seus colegas de escola, a menina que sentava na última carteira da classe “não tinha sobrenome”. Alta e magra num tempo em que Gisele Bundchen sequer despontava no horizonte, a estudante empenhou-se em ser a "melhor aluna média" de sua classe (“Nunca tirava dez nas provas, só oito ou nove”).

Após completar os centímetros que faltavam em sua estatura, ao mesmo tempo em que concluía a faculdade, Adriana adotou uma profissão que rende fortunas aos fabricantes de canetas vermelhas: a revisão profissional de textos.

De nome tão comprido quanto sua estatura, Adriana Maria Jorge Patricio (“com acento no I, segundo a regra”, diz ela) cresceu com a pressão amigável para que se tornasse advogada. Era o ofício de suas tias por parte de pai, um bancário aposentado.

A mãe, que ainda trabalha num cartório, esbarrou na discreta resistência da filha em seguir o caminho das leis: “Até hoje ela teima que eu faça um concurso público”.

Apesar de ter saído da PUC de Campinas com dois diplomas – bacharelado e licenciatura em Português e Inglês – e atender clientes em cidades como Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro, Adriana diz que seu irmão, procurador de trinta e três anos, é a “inteligência excepcional” da família: “Eu sou normal”.

Orgulhosa, a mana desfila os méritos do mano prodígio. Aos dezoito anos, ele galgou o pódio em vários vestibulares: primeiro lugar na PUC em Campinas, segunda colocação na Unimep em Piracicaba, quinta pontuação na Unesp em Franca. O vigésimo lugar do irmão no vestibular da USP ela comenta em tom de brincadeira: “Nesse ele foi piorzinho...”.

A irmã do papa-vestibulares, em sua fase de encarar o dilema da escolha de curso, calculou o óbvio: não encararia profissões que a obrigassem a realizar cálculos. “Nas matérias de Física e Química, sempre passava com sufoco”. Acabou optando por Letras, um curso mais adequado a uma aluna exemplar de português.

O desejo de trabalhar com revisão de textos ganhou força com a decisão de abandonar os postos de professora de inglês e de secretária bilíngue, “área pela qual não tenho o menor apreço”, diz a dona de um vocabulário assustador aos que não têm apreço a dicionários.

O empurrão inicial para a profissão diferente veio pelas mãos de um editor em Campinas, que apostou na novata formada em Letras. Em Americana, cidade-natal da agora free-lancer, recebeu o empurrão que faltava, de uma antiga professora de ensino médio.

Se o boca a boca espalha ao mundo as virtudes de uma revisora feito Adriana, garantindo sua sobrevivência, a língua afiada da profissional aponta as falhas mais comuns a quem coloca palavras no papel. “Erros de acentuação lideram a lista, ainda mais com as confusões geradas pelo desconhecimento da nova ortografia.”

As concordâncias verbal e temporal também costumam sofrer maus-tratos na sua aplicação. “Em um livro, por exemplo, é comum a pessoa começar a contar algo no presente, depois passar para o passado e terminar no futuro”.

A dedicação ao trabalho, que exige disciplina e concentração absolutas para as correções nos textos, não impede Adriana de levar uma vida até certo ponto normal. Nas conversas entre amigos, por exemplo, ela se controla para não fazer dos papos um jogo dos sete erros. “Se um amigo fala: "estou soando muito com esse calor", eu não vou interrompê-lo e dizer: "quem soa é sino, você está suando".

Enquanto limpa o suor derramado pela maratona diária, Adriana acalenta o sonho de trabalhar numa editora. Faz mistério sobre um provável livro de sua autoria: “Deixa para uma próxima matéria...” O que não a impede de encerrar a conversa com uma frase de efeito. “Se o futuro a Deus pertence, nada cai do céu, não é? Temos que correr atrás”, diz, revisando o velho ditado.


Atualização às 18h21 de 24.07.2011: Este texto foi produzido para o curso de Redação Jornalística do Senac Piracicaba, em novembro de 2010. A ilustração é um grafismo baseado em foto de Adriana feita por Ana Carolina Miotto, nossa colega de curso. Após a postagem do texto aqui no blog, minha amiga "perfilada" pediu para acrescentar seu novo passo na carreira, dado após a conclusão do curso: a mudança para o Rio de Janeiro, devidamente empregada como "Editora de Produção" numa editora. Felicidades, capricorniana danada!

22 de jul. de 2011

Todo dia ele faz tudo sempre igual

O celular toca. Tocar é apelido. Ele berra. Não é um ringtone com a canção do gás. Não é a canção de ninar que anestesia seu sono madrugadeiro. É o barulho-padrão, entre tantos barulhos-padrão, oferecidos de brinde na memória do aparelho. E você puxa pela memória. É o som que você mesmo programou para lhe acordar.

O remédio é acordar. A vítima do som-celular dorme de sono próprio, sem sono-tarja-preta. A tarja-preta imaginária é a dos olhos, relutantes em abrir. Vem uma coceirinha ali, um bocejo acolá. A lembrança do pesadelo que o fez arrebentar o estrado da cama se dissipa. O dia começa. O sol nasce para todos, com ou sem celular gritalhão.

A porta do banheiro bate com o estrondo de um elefante embriagado. A escova de dentes está lá, toda amigona, esperando a aplicação da pasta bucal, toda espumosa. Nos cantos mais insuspeitos do céu da boca, a sua, o fio dental cumpre a função que cabe a ele: eliminar lembranças de jantares passados. O fiapo de manga, por exemplo, incomoda até agora.

Pensamentos retidos são eliminados no primeiro esvaziamento diário de bexiga. Tal eliminação urinária provocará queixas femininas. Haverá investigação dos respingos em locais impensáveis pela mente do respingador. A limpeza de corpo e alma tem sua conclusão na chuveirada ensaboada, na retirada da barba indesejada, no enxágue das dobrinhas, na tolha enrolada no corpo em direção ao quarto. E no rastro respingado pelo corredor.

Escolhe-se a roupa para encarar o trabalho provedor do leite infantil. Seleciona-se o sapato que poderá sapatear diante do chefe intransigente. Toma-se o café que o deixará com hálito justificador de pedido de divórcio. Tranca-se a casa, pigarreia-se com a fumaça do escapamento do automóvel. Portão da casa fechado, e a história continua no lugar onde o Judas perdeu as botas, local de trabalho do nosso personagem motorizado.

O dia do dileto trabalhador acaba, antes que o chefe acabe com o subordinado. O estresse é tanto, que o lar-doce-lar é um perigo para o estressado, diabético em potencial. Mas ele nem sabe da possibilidade da moléstia, porque não faz exame médico periódico. Saúde equilibrada é uma doce ilusão.

Na chegada à choupana, tudo o que nosso personagem quer é comer qualquer coisa, vestir qualquer coisa, assistir qualquer coisa. Porém, o celular, em sintonia plena com o desejo de paz mundial, emite uma boa vibração. É a convocação da namorada saudosa. O trabalhador suspira, imaginando uma noite daquelas de arranhar parede.

A noite termina, a madrugada avança, o berro seguinte do celular alerta o cidadão para o cumprimento de seus deveres diários. Os deveres profissionais. Os deveres conjugais da noite passada ele deixou na coluna dos haveres. Pelo menos até a noite seguinte. Ou a namorada seguinte.

20 de jul. de 2011

Muy amigo

De vez em quando, solto uma saraivada de frases de efeito e observações jocosas no meu Twitter. Pego algum tema e espremo até o bagaço pedir clemência.

No dia em que escrevo estas linhas, temos uma efeméride singular: o Dia do Amigo. Seguem as melhores frases e pitacos sobre amizade e suas variantes. Haja coração, amigo. Como disse o outro.

- Amigo não é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves. Quem faz isso é carcereiro, não amigo...
- Amigo tem apenas dois órgãos: ouvido e ombro.
- Hoje é dia pra chegar no cachorro bravo, que late na grade quando você passa, e dizer: "Amigo, amigo"? Desconfio que não é uma boa ideia.
- Amigo é aquele que mora no nosso coração, sem pagar taxa de condomínio.
- Não, amigos da Geração Y. Quando Roberto e Erasmo compuseram a música com o verso "um milhão de amigos", não estavam falando do Facebook.
- Não existe amizade desintereressada. O primeiro interesse que a move é o desejo de ser amigo.
- Amigos, amigos. Um negócio à parte.
- "Quero morrer amigo seu", diz alguém a outro alguém que dá uma bola fora. Tem amigos que são de morte mesmo.
- "Vamos ser amigos" você sempre escuta de quem você não queria ser exatamente amigo.

18 de jul. de 2011

O Ombro Amigo

O Ombro Amigo não tem conexão USB. Ele tem conexão com o Ouvido. Um bom Ouvido garante a qualidade de uso do Ombro Amigo.

O Ombro Amigo não tem placa-mãe. É uma mãezona a todo instante.

O Ombro Amigo não tem embalagem fosca. Ele é transparente.

O Ombro Amigo não descarrega a bateria. Sua bateria é o descarrego.

O Ombro Amigo não tem casos de contraindicações. Ele lida com usuários do contra, em muitos casos.

O Ombro Amigo não tem código de barras. Ele é que segura a barra dos outros.

O Ombro Amigo nunca corre o risco de ser deslocado. Ele não só não é deslocado, como se adapta a qualquer ambiente. De preferência, ambientes de risco.

O Ombro Amigo tem prazo de validade invencível. Ele só se dá por vencido quando o usuário se cansa dele, em busca de outro Ombro Amigo.

Num Ombro Amigo não se faz upgrade: troca-se por outro Ombro Amigo.

Procure o seu Ombro Amigo hoje mesmo. Ou deixe pra lá, que um Ombro Amigo sempre vai te procurar.

17 de jul. de 2011

Antologia de ruidos noturnos

É noite. Chega-se em casa. O portão não abre. Emperrado.

A chave não gira na fechadura. Vem uma irritação. Quebra-se a chave. Um suspiro é emitido. O celular sai do bolso. O chaveiro mais próximo é acionado.

A calçada acolhe uma bunda. A calça limpa, o cimento sujo. Um palavrão ecoa na noite. O vizinho acende a luz. Pensa que é briga.

Apaga-se a luz. Nada demais. A luz do poste apaga. A lua ilunina o céu. Um gato faz uma ode à lua. O chaveiro demora. A irritação reaparece. No chão, uma pedra. O gato foge. A pedra passa longe do bicho.

O vizinho solta um grito impublicável. O gato é dele.

Um carro acende o farol. Ouve-se um esvaziar. O pneu furou. Do carro, sai um pedido de socorro. O estepe sai do porta-malas. O socorrido ajuda no transporte do pneu.

O pneu cai no pé do motorista. Outro grito pungente se ouve. O vizinho abre o portão de sua casa. Vê o que há. O pneu rola pela rua. Os envolvidos no socorro saem correndo. O estepe fujão desliza pelo asfalto.

A rua aquieta. O chaveiro dorme sossegado em casa. Como um anjo.

16 de jul. de 2011

Homem à beira de um ataque de nervos

(Ao lado: uma charge de 5 de janeiro de 2008)


O que não falta é blog feminino à beira de um ataque de nervos. Graças a dicas amigas, virei um pesquisador informal da literatura cotidiana da mulherada.

Não deixa de ser interessante esse passeio, imóvel na cadeira da escrivaninha. O que dá pra notar, numa primeira olhada, é a transposição da catilinária oral das moçoilas para os caracteres virtuais.

Umas mais, outras menos, todas são autorreferentes. E todas tem em comum a eterna perseguição à cara-metade, além do secular desprezo aos insensíveis que não as valorizam. Eles mesmos: os homens, cujas doses de falastrice são bafejadas nos botecos da esquina.

Todas os blogs e blogueiras consultados esmiuçam sentimentos - seus e dos outros - com uma habilidade que deixaria Jung e Freud, cada um no seu quadrado, estupidamente pasmos.

Na qualidade de confidente amador de três ou quatro amigas cultivadas nas redes sociais, acabo de aderir ao estilo desabafo-blogueiro. A discrição habitual do autor vai chutar o balde, ao menos por breves linhas. É o momento de confessar algumas miudezas da minha rotina. E reclamar delas, é claro. Das miudezas, não das mulheres.

Copo sujo de café, por exemplo. Tem coisa mais chata que levantar de manhã e ver uma pia cheia de copinhos de vidro, daqueles parecidos com copos de patê? Eu gosto de café, mas não aprecio observar o rastro que o café deixou no fundo dos copos. Se o inferno é aqui, ele tem gosto de café expresso em copo deixado na pia. Pronto para que eu o lave.

O banheiro é outro cômodo incômodo. Quando a gente entra no box para a chuveirada matinal, emite o suspiro de bem-viver que acompanha os bons banhos. Mas o suspiro vira muxoxo imediato. O pé tateia o ralo, o ralo denuncia a presença de um punhado de cabelos, pelos e o que mais for de viscoso acumulado no dia anterior.

Solução: dar um breque no banho, catar aquela meleca e jogar no lixo. No banho seguinte, é a mesma coisa. Um esforço repetitivo, quase um ritual. Haja esforço mental positivo para não arrancar o ralo. Só pra não ter que ficar catando aqueles chumaços de cabelo que teimam em nos besuntar os pés, banho a banho.

Para não arrancar os cabelos que me restam, melhor parar por aqui. Os feios e bonitos que me perdoem, mas resmungar é fundamental.

13 de jul. de 2011

Homens sofredores, machos sofríveis

Mulher é engraçada. Não é algo prudente a dizer diante de um exemplar do sexo oposto. É pedir pra ser humilhado e espezinhado com requintes de crueldade. Mas prossigamos com esta descrição de um episódio corriqueiro do cotidiano masculino, que tem lá sua graça.

A mulher pode gargalhar com a presença do exemplar do sexo nada exemplar. Esse que veste a máscara metrossexual-por-uma-noite. Que faz por breves momentos algo que jamais faz com tamanho esmero no seu dia a dia: arruma-se, penteia-se, escova-se, sorri-se.

O don-juan segue pra balada mais próxima disposto a causar. Mas só o que consegue é causar constrangimento. Por estar vestindo a carapuça de bobo-da-corte. Mesmo disposto a fazer a corte, ariscando-se a levar uma cortada.

Superadas as barreiras da entrada da balada, do barulho da trilha sonora da balada, da dança desengonçada que prenuncia a esperança do acasalamento imediato na balada, a mulherada olha de longe os patetas metidos a galãs. E sorri.

Entre tapas e beijos sertanejos, os pretendentes vão chegando junto. Os candidatos a meteoros da paixão começam a procura das caras-metade. A mulher ri porque saca a palhaçada. Percebe segundas intenções de primeira. O papel da fêmea zelosa é jamais dar mole e sim jogar duro. E o homem fantasiado mete suas fantasias no saco, literalmente.

Vários, quase todos, derramarão suas mágoas pro santo. Ou emitirão uivos ébrios para a lua, entre golfadas de bebida expelida na calçada mais próxima.

No final da noite, mulheres rirão dos homens e para os homens. Os motivos de tanta risada serão os mesmos de sempre. Mas a graça feminina continuará até o final dos tempos. Ou a próxima ressaca dos metrossexuais da hora, mano.

8 de jul. de 2011

Humor Moreno


Ele se parece com muita gente. Luiz Gonzaga, Caetano Veloso, Alceu Valença: todos esses artistas da música são imitados pelo Moreno.

Embora traga o nome do filho do Caetano em seu sobrenome, João Cláudio é filho do Piauí. Aquela terra que Juca Chaves ironizava nos anos 70, sem sentir na pele o calor dos nativos piauienses. Um calor de mais de 40 graus.

João Cláudio Moreno tem o humor do nordestino, da língua talhada a faca. Trabalhou com o nordestino-mór Chico Anysio, com quem aprendeu que é necessário rir de si mesmo. Sem nunca perder de vista a seriedade quando preciso. Seriedade exercitada por João Cláudio em suas entrevistas, monólogos que vão muito além da cultura de Google de tantos humoristas.

João tem um nome pra lá de popular. O comediante Moreno não é tão popular assim. Se santo de casa não faz milagre, João Cláudio leva sua casa, o Piauí, para todo lugar que vai. Milagre é ele aparecer na TV, às vistas da audiência plana. O que prova o velho ditado, agora com um toque de modernidade: santo de plasma não faz milagre.

Há imitadores e imitadores. Quem imita a vida com arte, captura a alma de um povo. Com liberdade incondicional, Moreno prende a atenção até dos politicamente corretos. Eles que se cuidem, que pessoas feito João Cláudio estão aí para preservar o direito de rir e vir.

6 de jul. de 2011

Diário de um pegador noturno

Há grandes pegadores nesse mundão velho sem porteira. Comigo é assim: sou grande pegador. O objeto da pegação não é bem o que você está pensando, infelizmente. Sou grande pegador, sim. De ônibus.

Vez por outra, pego ônibus em ponto estratégico na avenida principal do meu bairro. Atrás do ponto, fica um terreno vazio, daqueles que vão até onde o Judas perdeu as botinas. Não raro, o ponto fica deserto em altas horas da noite. Em horas baixas idem.

Numa noite de compromisso inadiável, fui ao ponto esperar o ônibus. Dez minutos após meu posicionamento glúteo no assento, eis que aparece uma estraga-prazeres. Trazendo na face a cara de bunda mais bundona da redondeza.

É sabido que os pontos de ônibus e as redes sociais da internet são lugares onde a simulação de intimidade é instantânea. Entre pontos e redes, uma diferença apenas: nos pontos de ônibus, não há simpatia hipócrita de cara. Rola neurastenia sincera, na cara.

A caruda me perguntou se o ônibus-tal tinha chegado. Eu falei que tinha chegado o ônibus-xis, e nâo o ônibus-tal. Ela reclamou que o ônibus-tal tinha um motorista lerdo. Respondi que nem todo motorista era lerdo. Ela teimou que o motorista lerdo do ônibus-tal, que não tinha chegado e não chegaria tão cedo, era lerdo sim senhor.

Mudando ligeiramente de assunto, a dona da bolsa continuou o interrogatório.

Ela perguntou se eu tinha medo de ficar sozinho no ponto à noite. Respondi que não. Ela perguntou de novo a mesma coisa, arretada com meu espírito de porco em não querer responder o que ela desejava ouvir. Falei que não adiantava ter medo. Ela retrucou com conselhos para ficar esperto naquele lugar escuro, porque se não me cuidasse um dia seria assaltado. E coisa e tal. O ônibus-tal que era bom não chegava.

Nesse ponto do paredão, uma terceira pessoa chegou para trazer a boa nova: o ônibus-tal chegou! Tomamos nossos assentos, a caruda recolheu-se à sua bunda-molice.

Fosse este humilde cronista um pegador convencional, e não um reles pegador de ônibus, tomaria vergonha na cara e compraria um carro. Enquanto o dia da redenção automobilística não chega, o jeito é esperar o próximo ônibus. Com a minha própria cara de bundão.