23 de set. de 2008

Alto retrato

(Perfil publicado na terceira edição do Jornal Caricaras)

Nasci em Piracicaba, estado de São Paulo. Posso até disfarçar o nariz de Bin Laden e a barriga de Dom João, mas não o sotaque de Jeca Tatu. Minha terra tem pamonhas onde canta o capiau, muito antes do Gonçalves Dias louvar suas palmeiras e sabiás.

Escrevo e desenho desde criancinha. Por isso meu humor é meio moleque. Tendo começado autista, acabei me tornando artista. Sou profissional desde os quinze anos. Sempre alimentei a minha arte, apesar de nem sempre a arte me alimentar.

Como todo exibido, sou um tímido de carteirinha. Tão timido que foi uma luta entrar nesse clube.

Sendo muito vivo, não morro de amores pela idéia de bater as botas, embora não tenha salto alto. Com a licença do poeta, não pretendo ser um retrato na parede. Serei uma caricatura emoldurada.

Boca livre



(Crônica e desenho publicados no Blog das Copas, dos amigos Artur de Carvalho e Custódio. Quanto aos nomes de jogadores, é só trocá-los pelos jogadores e técnicos pernas-de-pau da atualidade, e pronto)

Quem não sonha em ser convidado pra alguma coisa? Uma festa, uma balada, um casamento... Ainda mais se tem aquele convite, escrito com letras douradas, com o seu nome, hein! Pois é. E a boca livre tá garantida.

Convocado é outra coisa. Coisa de exército, que a gente morre de medo quando tem dezoito anos. Tem gente que dá um jeito e sai. Tem gente que não escapa. Mas convocado pra seleção de futebol é outra coisa. A gente morre, sim, mas de ansiedade. Será que vão convocar o Rogério Ceni? Agora, convocaram.

E os torcedores do Santos vêm e reclamam: O Fábio Costa é que devia ter ido! E os torcedores do Brasil todo, em coro, xingam os estrangeiros do Parreira. Pô, mas tem tanto jogador bom no Brasil, e o cara convoca só os astros! E vem outro torcedor e diz: bem que eu achei aquele Ronaldinho Gaúcho mascarado mesmo. E outro: bem que eu achei que eles não deviam ter ido naquela boate. E coisa e tal, e tal e coisa.

Por enquanto, centenas de milhões de torcedores estão convocados a acompanharem os convocados da seleção. É bom que os mascarados não percam, hein. Senão, estarão convidados a se retirar de cena. Ou é o Ceni que não vai agarrar as bolas? Esse goleiro não é de nada, mesmo.

Não desisto nunca

(Crônica publicada no Jornal de Piracicaba)

Ser brasileiro tem qualquer coisa de sublime. Pela simples razão de estarmos habituados a isso. Para justificar a brasileirice crônica, cada um tem sua razão, ou falta de.

Para muitos, ser brasileiro é não desistir nunca. Não desistir de torcer pela seleção, ou pelo seu time. Não desistir da idéia de torcer o pescoço do técnico do Corínthians, quando o time perde. Porque o Corínthians tem a obrigação de ganhar, e os outros times de perder, lógico. E não pode desistir, nem fugir da raia. Mesmo que ameaçado de perder a pose, e, pior, a vaga na Série A do campeonato brasileiro.

Um time de futebol é composto, em sua maioria, de jogadores brasileiros. Vocês sabem, brasileiro não desiste nunca. Vai que pinta uma convocaçãozinha pra Seleção, e aí eles se tornam brasileiros de verdade, com muito dinheiro no bolso e saúde pra dar e vender, principalmente vender.

Para outros tantos, brasileiro é ser pagador de impostos. Não há opção, é tudo imposto. A receita é pagá-los, senão a Receita Federal manda o Leão morder nossas canelas. Como o mico-leão e o técnico de garras afiadas, o Leão também é brasileiro. E não desiste, nunca.

Seja natural, naturalizado ou artificial, o gostinho de ser brasileiro persiste em milhões de almas deste país. Gosto de cerveja estupidamente gelada, degustada por motoristas estupidamente bêbados, saídos das baladas para as páginas policiais. Ou gosto azedo de fim de domingo, quando se anuncia o fim do Fantástico e o começo da segunda-feira estupenda, quando não estúpida.

E assim o brasileiro vai levando a vida. Uma vida para o buraco, que a estrada da vida é mal-recapeada, construída por uma empreiteira que superfatura às nossas custas. Ou vida rumo à ponte que partiu, pois a mãe da gente não merece a outra ofensa de som parecido.

Entretanto, nada se compara à garra, à paciência, à resignação e à coragem do brasileiro. Um ser que não desiste nunca, inclusive de ler este texto. Você não é um analfabeto funcional! Parabéns! Nem parece brasileiro...

20 de set. de 2008

Não sei de nada!



(Esta sai na minha página de humor e quadrinhos, no jornal Agora (Sertãozinho, SP), em setembro)

Não sei como o Chico Buarque se sente ao ser abordado em suas caminhadas beira-mar, no Rio de Janeiro. Certas senhoras assanhadinhas, moradoras daquele pedaço de paraíso, deverm achar o compositor o próprio Deus na Terra, sem ofensas ao Cristo Redentor.

O fato é que eu, feliz portador de olhos verdes como o Chico, também sou abordado na rua. Mas não para ser chamado de lindo, absoluto e outros elogios abaixo da linha da cintura. As pessoas me páram... para pedir informações.

Imaginem o meu pânico quando alguém estaciona o carro ao meu lado e pergunta onde fica esse ou aquele lugar. As abordagens, seguidas do meu invariável sorriso amarelo, aconteceram milhares de vezes comigo, não só no meu habitat natural. Até paulistanos da gema puderam constatar a minha clara falta de jeito para guia turístico.

Nas próximas abordagens que as pessoas fatalmente me farão, já pensei no que fazer: canto uma música do Chico ("...apesar de você, amanhã há de ser outro dia..."), e sigo em frente, impávido. Louco sim, ignorante jamais!

19 de set. de 2008

Café no bule

Esta saiu no Jornal de Piracicaba há alguns meses, no primeiro caderno

Eu bebo café, sim. E estou vivendo, de um jeito ou de outro, mesmo carregando uma gastrite, uma azia e outros etecéteras. Na escola, e fora dela, ouvia dizer que o outrora precioso líquido era nosso maior produto de exportação. Isso no tempo do Brasil rural, no tempo em que certos seres humanos eram burros de carga, certos burros tornavam-se humanos em sua ânsia de parecerem inteligentes e os animais falavam. Alguns falam até hoje.

Muita gente ficou rica com o café. Os tais Barões do Café. E o Brasil se orgulhando de ter algo que valesse a pena mostrar ao mundo. E o mundo pouco se lixando com a gente. Mas o mundo não tinha nosso divino e poderoso café. Muito depois, vieram a Aquarela do Brasil, Carmem Miranda, Pelé e Garrincha, a Bossa Nova, Maria Esther Bueno, JK, FHC, Gustavo Kuerten, Tom Zé, Lula e outros produtos de exportação dignos de nota. Uma nota preta, diga-se de passagem.

Cheiro de café, nos meus verdíssimos anos, era qualquer coisa de insuportável. Além de qualquer coisa, uma coisa insuportável. Quando minha mãe chamava a criançada para o café com leite das manhãs, com direito a repeteco vespertino, eu engolia aquilo. O café e o fato de ter que tomá-lo. Para piorar o vexame, crianças novinhas e ligeiramente desajeitadas, como este que vos digita naquele instante, carregavam na testa o rótulo nada honroso de “café com leite”.

A vida e o café não me pouparam de outros vexames. Sabem aquele ritual do cafezinho da tarde? A tal paradinha no meio do expediente, para tomar café e bater papo com os colegas de serviço? Pois é. Nenhum trabalhador de empresa escapou do referido ritual. Nesse momento pagão, alguns iam lá fora para fumar. E outros colegas se afastavam, graças a Deus. Ter que aturar certos colegas também na hora do café seria um castigo inominável, embora os palavrões ficassem piscando na cabeça, feito luminoso de loja na rua Governador.

A hora do meu primeiro cafezinho em grupo tomou ares de evento inesquecível. Na ânsia de parecer natural, a gente fica mais artificial que suco de uva em pó, daqueles de envelopinho que a molecada adora. Como que anunciando o desastre, andei até a garrafa, deixada não na cozinha, mas no próprio local de trabalho. Peguei o copinho de plástico, apertei a tampa da garrafa com força, o líquido fumegante jorrou. No copo? Não, na mesa. A cachoeira em pleno ambiente de serviço impressionou a todos. Como não se tratava exatamente das Cataratas de Foz do Iguaçú, tomei uma vaia, e não um inocente cafezinho. Todo o café da tarde foi para o espaço. Ou melhor, para a mesa.

Por conta do desastre involuntário, passei anos sem tomar café. Até que veio a segunda vez. Desta vez, o café caiu nos lugares certos: na xícara e no estômago. Ultimamente, porém, meu estômago tem se revoltado contra o hábito de tomar café, e com outras coisas enfiadas goela abaixo. Mas aí já são coisas do Brasil, um país aniquilador de estômagos alheios. Nessas condições, nossa bebida ideal seria um belo chá de sumiço.